segunda-feira, fevereiro 28, 2011


Superpopulação e abandono


Abrigos: solução ou parte do problema?

Parte dos protetores defende que eles teriam maiores chances nas ruas. Afinal, abrigo é viável no atual estágio da nossa sociedade?

A matéria do último Notícias da ARCA sobre a crise da Suipa gerou muitos comentários de leitores que elogiaram a abordagem de uma questão que para muitos é intocável. Essa discussão tem como objetivo melhorar e promover sempre o bem estar dos animais.

Leia alguns trechos dos comentários:

“Concordo plenamente quando dizem que pessoas bem intencionadas pensam em fazer um abrigo, pois eu também pensava assim. Pouco dinheiro e um espaço grande já era o suficiente. Mas nas dificuldades a gente não pensa”.

"Parabéns pela coragem de dizer o que muitos não querem ouvir. Em Niterói vejo se repetir o descaso de todos, em especial dos órgãos públicos com o abandono dos animais”.
“Texto excelente! Não é criando estoques de animais doentes, famintos, sem esperança que iremos mudar este contexto. Mas conscientizando a população. Dizendo NÃO a comercialização desenfreada de filhotes. NÃO ao descaso de entidades públicas”.

Novas atitudes

A notícia que o Quintal de São Francisco fecharia suas portas surpreendeu e preocupou muita gente. Localizado em Parelheiros, periferia da capital paulista, o reconhecido abrigo não agüentou. Mas por que chegou ao fim?
“Foi uma decisão bem difícil, talvez a mais dolorosa da minha vida. Somos uma equipe cansada, enfrentando dificuldades diárias. Cumprir compromissos financeiros, oferecer qualidade no acolhimento, compreender a comunidade, captar recursos”, explicou Angela Caruso, que afirma que mudou a maneira de pensar. “Não suporto mais manter animais aprisionados, mesmo melhorando o local e as acomodações, estamos distantes de bem-estar animal. Fazemos o que achamos que é o melhor. E o que é melhor?” desabafa Angela.

Ainda com 164 cães e 45 gatos sob sua responsabilidade, hoje o Quintal de São Francisco exercita um lado difícil para a maioria dos protetores: dizer não.

Saber respeitar as próprias limitações é o mantra da médica Rosana Mercadante, responsável pelo abrigo Piccolina, situado em Avaré, município de 84 mil habitantes do interior de São Paulo. Segundo ela a cidade, tem uma população de 20 mil animais, entre rurais e urbanos, e possui cerca de 5 mil cães nas ruas, sendo que 30% (1.500) dessa estimativa é o principal foco do abrigo (fêmeas prenhes e não prenhes, ninhadas, idosos e deficientes físicos).

Referência para muitos protetores, o Piccolina tem uma estrutura que impressiona, são canis bem estruturados, alimentação de qualidade, área de triagem, consultório clínico e centro cirúrgico, espaço de lazer e até música ambiente para tranqüilizar os pets. Mas como um abrigo consegue manter essa condição?

“Quando decidi criar o Piccolina disse que iria fazer direito, para isso limitei o número de animais que conseguiria manter, independente das doações financeiras. São 350 cães e o número não passa disso”, e completa, “quando não temos vagas tratamos na rua mesmo, em lares transitórios até ser adotado ou abrir uma vaga”, explica Dra. Rosana.
Ao que tudo indica o Piccolina pode ser uma nova luz nesse cenário, mas a ânsia em ajudar oculta as armadilhas no caminho. A grande maioria dos abrigos brasileiros gasta tanta energia nos resgates, que o principal objetivo, a adoção acaba em segundo plano.
Nos EUA o centenário abrigo Denver Dumb Friends League demonstra que o americano foca sempre na busca por uma nova família para o pet. Alguns eventos chegam a conseguir 70 adoções em um único final de semana. Se aplicarmos essa lógica ao abrigo Piccolina, seriam 70 novas vagas por semana em um abrigo de qualidade. Um grande passo.
Visão técnica

Com as notórias deficiências do serviço público, abandonos, um oceano de carências, os abrigos são inevitáveis, mas assim como tudo na vida, precisam de regras para funcionar corretamente. Mesmo sem uma regulamentação, o Conselho Regional de Medicina Veterinária de SP (CRMV-SP) determina algumas condutas. “Os procedimentos em abrigos são os mesmos de um canil ou gatil, pois ambos possuem entrada e saída de animais”, esclarece a assessora do CRMV-SP, Thaís Cardoso.

Alguns importantes pontos do Manual de Responsabilidade Técnica do CRMV-SP determinam que as instalações de um canil devam ser individuais, de alvenaria, com área compatível com o tamanho do animal, paredes lisas, impermeabilizadas. O abrigo de gatos e animais de pequeno porte, deve ser em metal inoxidável ou com pintura anti-ferruginosa e não pode ser superposta a outra gaiola.

“Vários fatores devem ser observados para a garantia do bem estar animal. Como oferecer conforto térmico, acesso ao sol, alimentação adequada e instalações que atendam as necessidades, e as exigências legais quanto à manutenção da condição sanitária”, completa a assessora.

Os cuidados com a estrutura física são determinantes para o grau de salubridade do lugar. A triste crise da Suipa, que teve sua atual presidente reeleita, contradiz qualquer argumento de bom senso e bem estar. Dos animais que chegam ao abrigo o índice de mortalidade atinge 90%, ou seja, em cada dez animais apenas um sobrevive.

Mas para a responsável pelo Piccolina os abrigos ainda têm que driblar propostas incabíveis de certos protetores. “Eu não aceito doações em troca de vagas no abrigo, muitas pessoas querem que a gente recolha sem pensar em como o animal vai ficar e em como vamos mantê-lo”, denuncia Dra. Rosana. Será que a Suipa com a política de nunca dizer não, sofreu com as conseqüências dessa troca irresponsáve?

Reflexão

Pessoas envolvidas com abrigos no Brasil em sua grande maioria trabalham arduamente tentando tampar o sol com a peneira. Os ideais, como foi dito na última matéria, são nobres, mas não se muda um cenário tão caótico apenas com o coração.

Por que não importamos o pragmatismo dos americanos (e não seus rodeios)? Ser racional não significa frieza, mas ter coragem para tomar decisões.

Viver amontoado com tantos outros, brigar pela comida, adquirir doenças ou transmiti-las, não desfrutar de companhia humana e morrer sem ninguém perceber. Não é uma vida digna, não é ser protegido e muito menos bem estar animal. Será que as pessoas que defendem isso pensam realmente na integridade do cão e do gato?